|
O FISCAL DA LEI, SUA INDEPENDÊNCIA, E A DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO.
O Ministério Público, com o advento da nova Ordem Constitucional, teve as suas atribuições significativamente ampliadas. O legislador constituinte, atendendo a reclamos antigos da Instituição, outorgou-lhe maiores garantias, tanto funcional como financeira, com o escopo de emprestar ao Órgão Ministerial total independência no exercício de suas funções, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; enfim, para a plena fiscalização da lei e da observância aos princípios norteadores da Administração Pública, em benefício da sociedade.
A Constituição Federal, a par dos direitos e garantias estatuídos, exigiu, como é curial, alguns deveres, dentre eles, a exigência de residir o Promotor de Justiça no Município sede de sua Promotoria, preceito que tem provocado certas dificuldades, levando, não raras vezes, o Agente Ministerial a situações de inconstitucionalidade face a Administração Municipal respectiva, o que a todo custo de ser evitado, por negar as conquistas históricas do Ministério Público, mormente a autonomia financeira, condição da independência funcional da Instituição.
Tal fato pode ser aquilatado pela leitura de determinadas leis casuísticas, flagrantemente inconstitucionais, que propostas pelo Prefeito Municipal, colocam à disposição do Promotor de Justiça um imóvel residencial, com a manutenção pela Administração Pública das despesas resultantes do "consumo de água, energia elétrica, telefone, conservação geral e permanente do imóvel, suprindo também os custos com as despesas de combustível"(sic). E mais: "para execução dos serviços no imóvel residencial, um (01) serviçal e um (01) vigilante"(sic).
A inconstitucionalidade de tais leis é palmar, ferindo o princípio constitucional da moralidade, a autonomia administrativa e financeira do Parquet, além do conceito elementar da lei como preceito genérico, não casuístico. O Ministério Público, que é um órgão integrante - porém independente - da estrutura do Poder Executivo, estadual ou federal, possui dotação orçamentária própria, tendo o seu repasse garantido pelo art.168 da Constituição Federal. Dessarte, não se pode transferir para o Município encargos financeiros constitucionalmente afetos à Instituição Ministerial, que, ademais, garantem a sua atuação independente na defesa do patrimônio público.
Advirta-se, no entanto, que o recebimento, para o fim sobredito, da vergastada ajuda financeira não significa, por si só, o comprometimento funcional do Agente Ministerial em relação à Administração Municipal concedente, o que se verifica é uma situação jurídica de inconstitucionalidade, que o Promotor de Justiça, como custos legis, frise-se, deve evitar. Ao Município não cabe constitucionalmente suportar - incluindo, v.g., em sua lei orçamentária - os encargos financeiros para o funcionamento do Ministério Público, vale dizer, as despesas de custeio da Instituição não podem ser municipalizadas. Doutra parte, os gastos com moradia são de responsabilidade do Estado, consoante se depreende do art.56 da Lei Complementar nº15, que dispõe o seguinte: "Os membros do Ministério Público disporão, nas comarcas onde servirem, de instalações próprias e condignas no Fórum, e de prédio público para residência".
Os tempos são outros, e é preciso repensar a razão de ser desta fundamental Instituição. A sociedade, vigilante, exige uma atuação mais efetiva do Ministério Público na defesa dos bens essenciais à convivência social. A par das tradicionais atribuições, sem dúvida importantes, requer-se um serviço mais ativo na defesa do patrimônio público, sem omissão diante do caos, causado pela improbidade administrativa, por que passa o Estado de Alagoas e alguns municípios integrantes. Não chegamos a isto por acaso, muitos erraram, e o Fiscal da Lei, sem dúvida, nesta conjuntura histórica, não receberá a pecha de omisso no cumprimento de seu mister. É preciso responsabilizarem-se os infratores, trazendo-se de volta ao erário, há muito combalido, o que lhe foi furtado pelas mãos putrefatas de agentes corruptos. Instrumentos existem a basto, a exemplo das Leis nºs 7.347/85, 8.429/92(Improbidade Administrativa), Dec. Lei 201/67 e muitos outros.
Por isso, é primordial a independência financeira do Ministério Público para o cumprimento de sua vocação constitucional, não se podendo olvidar que tal condição estende-se ao Poder Judiciário, como bem o reconhece o art.319 da Lei de Organização Judiciária de MG, que dispõe o seguinte: "É vedado a magistrado residir em imóvel locado por Município ou receber auxílio do Poder Público Municipal a qualquer título". Tal disposição, por sua evidente moralidade, deve-se aplicar também ao Promotor de Justiça. A lição do professor José Nilo de Castro é lapidar: "Dentre outras irregularidades, destaca-se, como as mais comuns, a realização de despesas não afetas ao Município, como pagamento de aluguel para juízes, promotores, delegados de polícia, comandantes de destacamento policial militar"(...) "É prática administrativa que deve ser repelida". Não há negar!
A anciã forma de atuação da Instituição deve ceder espaço à fiscalização ativa. O momento histórico é outro. As velhas concepções já não atendem à realidade social. Com isso, porém, não se quer atribuir culpa a quem pensa doutra forma, é mister frisar; e assim nos socorremos das palavras do mestre italiano Noberto BOBBIO, que ensina: "Depois de certa idade, desistimos de mudar de opinião. Tornamo-nos cada vez mais obstinados em nossas convicções e mais indiferentes à dos outros. Os inovadores são vistos com desconfiança. Ficamos cada vez mais apegados às velhas idéias e, ao mesmo tempo, cada vez mais desconfiados das novas (...) Também as idéias demoram a surgir em sua cabeça. E quando surgem, são sempre as mesmas. Que tédio! Não que o velho seja particularmente apegado às suas idéias. É que ele não tem outras. E, afinal, já não está tudo dito?". Será?
Por derradeiro, é preciso ter consciência de que, antes mesmo de se atacar o inimigo externo, é necessário corrigirem-se as falhas internas, por ventura existentes, lembrando sempre o exemplo de Judas Macabeu, citado por Antônio Vieira, que antes de usar a espada contra os inimigos, empunhava-a primeiro contra os seus. Na esteira do ensinamento bíblico, é que exortamos a todos os Órgãos do Ministério Público, cujos Municípios de atuação editaram leis deste jaez, que representem ao Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça para as medidas cabíveis, visando o reconhecimento da inconstitucionalidade de tais atos normativos.
Maceió, julho/97. Coaracy Fonsêca Promotor de Justiça coaracy@nornet.com.br Promotor de Justiça |