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Exmo. Sr. Dr. Procurador-geral de Justiça do Estado do Espírito Santo. O Representante do Ministério Público em exercício na 2ª Vara Criminal da Comarca de Vila Velha - ES, vem, com o devido respeito, solicitar a V. Exa. a reconsideração do R. Parecer da Douta Procuradoria-geral de Justiça, acostado às fls. 107/113 dos autos, pelos motivos e razões seguintes: 1) O Promotor de Justiça da 4ª Vara Criminal desta Comarca, vara privativa para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, após exame dos autos do Inquérito Policial nº 4.135/91, entendeu que a capitulação a ser dada ao delito em apuração deveria ser a de lesões corporais, e não de homicídio tentado; 2) face a este entendimento, requereu ao Juiz titular da Vara supra referida que o mesmo declinasse de sua competência para uma das varas criminais não especializadas desta Comarca; 3) o MM. Juiz da 4ª Vara Criminal, em Despacho às fls. 100 dos autos, assim se manifestou: "Proceda-se na forma do parecer "retro" do M.P. À distribuição." 4) redistribuído o IP, o foi para a 2ª Vara Criminal, onde após análise deste Promotor de Justiça, suscitei conflito de atribuições na forma do artigo 10, inciso X, da Lei 8.625/93, e solicitei ao MM. Juiz da 2º Vara Criminal que encaminhasse o IP à Douta Procuradoria-geral; 5) o Despacho do Juiz da 2ª Vara Criminal foi o seguinte: "Encaminhe-se o presente ao Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça, na forma solicitada pelo rep. do Ministério Público nesta Vara, procedendo o Cartório as anotações necessárias. Diligencie-se." 6) o exame dessa Douta Procuradoria-geral entendeu que o caso vertente não é de conflito de atribuições, e sim, de conflito negativo de Jurisdição, considerando que ambos os Juízes, implicitamente, "afirmaram sua incompetência para a futura Ação Penal, não apenas "sponte sua voluntatis", mas também acolhendo os pareceres enunciados pelos membros do "Parquet". 7) Por fim, sugere ao Juiz da 2ª Vara Criminal da Comarca de Vila que suscite o conflito negativo de competência na forma dos artigos 114, I, e 115, III, do Código Penal de Ritos. São as considerações. Sr. Procurador-geral: Em que pesem as bem fundamentadas linhas do Parecer desta Douta Procuradoria-geral, diverso é o nosso entendimento. Entende essa Procuradoria-geral de Justiça que os Juízes das 2ª e 4ª Varas Criminais da Comarca de Vila Velha, ao atenderem os requerimentos dos Representantes do Ministério Público das referidas Varas, estariam, de maneira implícita e subliminar, declarando-se incompetentes para julgar o processo. Ocorre que trata-se de Inquérito Policial, procedimento administrativo, onde não existe Jurisdição, salvo as hipóteses de tutela cautelar. Sendo assim, os atos praticados pelo Juiz no curso do inquérito têm a natureza administrativa, sendo, por isso, chamados anômalos. A lição de Afrânio Silva Jardim na obra Direito Processual Penal, 5ª edição, Ed. Forense, p. 335, é neste sentido: " Desta forma, se não têm caráter jurisdicional os atos praticados no inquérito, ainda que emanados do Juiz, o que cabe indagar é sobre atribuição dos vários órgãos que atuam no procedimento investigatório." Afrânio, citando Paulo César Pinheiro Carneiro diz sobre o conflito de atribuições: " O fundamental para identificar se o conflito é de atribuição ou de competência não é a existência de determinadas autoridades em conflito, mas sim, partindo de uma ótica prospectiva, a natureza do ato a ser praticado". "O conflito de atribuições nada tem a ver com os órgãos (autoridades) nem com a forma e o momento da prática do ato mas antes com o conteúdo da atividade a ser realizada". Ora, o que se discute, "intra autos", é o conteúdo da atividade a ser realizada que é a tipificação da conduta do indiciado, e não questões de natureza formal. Ainda citando Paulo César Pinheiro Carneiro: "o conflito de atribuições se identifica pelo conteúdo da atividade a ser desenvolvida e ocorrerá sempre que o ato a ser praticado tiver natureza não jurisdicional, pouco importando as autoridades em conflito, a forma ou o momento de sua prática". Conclui o eminente Jurista Afrânio Silva Jardim que: "Concluindo-se, pode-se afirmar que inexiste possibilidade de conflito e competência ou jurisdição na fase inquisitorial, pela própria natureza dos atos que aí são praticados. Ficam expressamente ressalvadas as hipóteses de jurisdição cautelar, como, por exemplo, a decretação da prisão preventiva ou concessão de liberdade provisória (contracautela). Assim se manifesta o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: "Conflito de Jurisdição. Hipótese de conflito de atribuições. Conflito de jurisdição. Não se configura quando o desacerto sobre o Juízo competente só existe no plano do Ministério Público e antes da denúncia. Sem o pedido não se instaura a jurisdição. Caso de simples conflito de atribuições a ser dirimido pelo Procurador-geral de Justiça". (Ac. Unân. Da 3ª Câm, Crim., Rel. Des. Vivalde Couto; Conflito de Jurisdição nº 592). De maior relevo é a situação que, ao aceitar-se a tese levantada de conflito de jurisdição, seria abrir mão da independência funcional do Ministério Público, abdicando da titularidade da Ação penal, posto que permitiríamos à Magistratura que determinasse qual membro do Ministério Público deveria funcionar no inquérito policial. Neste sentido continua a lição do renomado jurista Afrânio Jardim, citando o magistério de Luiz Fernando de Freitas Santos: "Afrontaria o princípio da independência e harmonia dos poderes permitir que o juiz interferisse na esfera de atribuição do Ministério Público, decidindo, antes de proposta a ação, que o inquérito policial deveria tramitar perante outro juízo, Tanto equivaleria a dizer que o Poder Judiciário estaria determinando qual deveria ser o Promotor a que cumpria oficiar no inquérito, como se o Ministério Público fosse subordinado hierarquicamente à magistratura". "Assim como a magistratura é o Juiz primário de sua competência, o Promotor é o Juiz, também primário, de sua própria atribuição." O caso enfocado trata de conflito de atribuições "ratione materiae", onde dois membros da Instituição discutem se o crime é de homicídio ou de lesões corporais, surgindo dúvida acerca da tipificação do delito, fator determinante da competência jurisdicional, que não poderá ser suscitada sem que antes se resolva qual o delito cometido, pois este é quem determinará a competência do Juízo. Ao Ministério Público, como "dominus litis", cabe determinar qual a infração cometida pelo indiciado, e o que se discute, no caso, é a matéria fática a ser narrada na Denúncia, é a natureza da infração cometida, se tem sede nos crimes dolosos contra a vida ou nos crimes contra a pessoa, fator este que determinará o Juízo competente para o processo e julgamento do acusado. Em se aceitando que o Poder Judiciário resolva no inquérito policial sobre sua competência, é admitir que o mesmo delimite ou direcione a acusação penal. Leciona ainda Afrânio Silva jardim: "Nestes casos, já não estaria o Juiz apenas obrigando a parte que propusesse perante ele a ação penal, já estaria também explicitando e delimitando a imputação a ser feita na peça acusatória (sic). A toda evidência não está o Ministério Público como o querelante vinculado a esta indevida e prematura valoração dos fatos em apuração no inquérito policial". Outra questão que surge é: Se não há imputação de fato certo e determinado, que deriva da narração feita pelo autor da ação, no caso o Ministério Público, como poderá o Juiz saber se tem ou não competência para julgar o fato? Obviamente que não há que se falar em competência material, face a inexistência da tipificação do delito por quem competente para tal, mesmo porque também ainda não se invocou a prestação jurisdicional. Em relação a aceitação implícita pelos Juízes dos fatos alegados pelo Ministério Público, o que, na visão da Douta Procuradoria-geral de Justiça ensejaria a Conflito Negativo de Jurisdição, valemo-nos, novamente, do magistério de Afrânio Silva Jardim: "O simples fato de os Juízes, no inquérito, terem encaminhado os respectivos autos, a requerimento do Ministério Público, para outro órgão judicial não implica em afirmar ou negar a sua competência, tratando-se de despachos de mero expediente ou ordinatórios. Note-se que o art. 109 do Código de Processo Penal permite que o Juiz declare sua incompetência "em qualquer fase do processo", não do inquérito policial." Neste sentido é a lição do Ilustre Procurador da República Cláudio Fontelles: "Portanto, se o conflito se trava no desempenho de função específica e exclusiva do Ministério Público - tipificar criminalmente as condutas - não se pode cogitar de encampação dos pronunciamentos, pelas autoridades judiciárias, ainda porque não se pode dizer o que é de direito - o exercício da função jurisdicional - quando não se consolidou o juízo de propositura." Em se tratando, como demonstrado acima, de Conflito de Atribuições entre órgãos de execução do Ministério Público, cabe, na forma do artigo 10, inciso X, da Lei 8.625/93, ao Procurador-geral de Justiça a sua dirimência. Ante o exposto, solicitamos a V. Exa. seja reconsiderado o R. Parecer dessa Douta Procuradoria-geral de Justiça acostado às fls. 107/112 dos autos, e seja dirimido o conflito de atribuições suscitado. Nestes Termos, Pede Deferimento. Vila Velha, 17 de setembro de 1996.
HUMBERTO ALEXANDRE CAMPO RAMOS Promotor de Justiça |