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Agamenon Bento do Amaral

Professor de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e Procurador de Justiça aposentado.

A OBRIGATORIEDADE DO BAFÔMETRO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (Lei nº 9.503/97).

O vigente Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23/09/97), cuja vigência ocorreu em janeiro próximo passado, suscitou da comunidade jurídica nacional exacerbadas críticas, algumas de razoável procedência, outras, de absoluta inconsistência técnico-legal na abordagem feita ao novo texto legal.

Não obstante algumas imperfeições e contradições

materiais no que concerne à algumas categorias de tipos penais em confronto com o Código Penal vigente, o novo texto legal, indiscutivelmente, veio para ficar e para desistimular a fúria incontida e criminosa existente nas vias públicas e protagonizada por motoristas igualmente criminosos e irresponsáveis. Contudo, a análise das figuras delituosas instituídas pelo citado código, merece uma digressão a parte e cede lugar, por hora, à celeuma acesa relativamente à obrigatoriedade do uso do aparelho de uso científico denominado "bafômetro".

Com efeito, primeiramente, o CTB, pelo seu art. 165, considera infração administrativa o ato de "dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica", ao passo que pelo seu art. 306, pune severamente (detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor) o condutor que naquele estado, comprovadamente, for encontrado dirigindo.

Por outro lado, o art. 276, do referido Código, estabelece que o motorista que estiver com concentração alcoólica igual a superior àquela quantidade, estará impedido de dirigir veículo automotor. E, finalmente, no artigo subsequente, a nova lei de trânsito estabelece que o motorista "envolvido em acidente de trânsito" ou que for "alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame....". Do que foi até agora exposto, evidencia-se com clareza meridiana que a competência das autoridades de trânsito e também policiais, decorrem de permissivos legais, afastando, por conseguinte, qualquer eiva de arbitrariedade ou abuso de poder. Isto porque, primeiramente, incumbindo às autoridades administrativas de trânsito a segurança e a proteção à incolumidade pública de modo geral, estão legitimadas legalmente para a adoção de medidas preventivas e coercitivas ante as infrações eventualmente cometidas pelos particulares.

No âmbito administrativo, o poder de polícia da autoridade de trânsito, possibilitará a ela a averiguação, mediante fiscalização regular, se o particular está infringindo ou não a norma legal que estatui a proibição de condução de veículo sob o efeito etílico superior ao permitido.

No cenário penal, as autoridades de trânsito e as especificamente policiais (polícia judiciária), pela competência legal instituída pelo Código de Processo Penal (art. 4º e 6º, VII e, ainda, § 4º, do art. 144, da C. F.), estão legitimadas legalmente para a apuração da infração penal cometida, podendo, portanto, adotar os procedimentos de requisição de perícia e exames para a comprovação do ato infracional ou criminoso. Todavia, certo segmento da doutrina nacional, até com suporte em disposições legais de códigos estrangeiros que, por sinal, nenhuma identidade têm com o nacional, tem apregoado que o uso obrigatório do referido aparelho estaria a ferir direitos fundamentais do indivíduo, consistente na idéia - até sedutora - de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo e que a submissão do condutor ao referido exame do bafômetro conflitaria com o postulado constitucional do princípio do estado de inocência.

A meu ver, nada mais falacioso e inconsistente. Em primeiro lugar, porque o uso do bafômetro pelas autoridades de trânsito e também se for o caso, pela polícia civil, está alicerçada em dispositivos legais autorizadores da providência então adotada e, em especial, está aquela obrigatoriedade alicerça na própria Constituição Federal. Ora, segundo edita o art. 5º, II, da lei magna "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Então, pergunta-se: a providência adotada por aquelas autoridades têm algum vício de inconstitucionalidade? Se é o próprio texto magno que determina que somente em virtude de lei estará o cidadão obrigado a agir ou deixar de agir, como vislumbrar ilegalidade ou inconstitucionalidade no procedimento tornado obrigatório por aquelas autoridades?

Por outro lado, a alegação de ferimento ao princípio do estado de inocência do indivíduo, constitucionalmente assegurado, data venia, parece-me despropositada e até leviana, porque na verdade, tratando-se de procedimento com embasamento legal e instrutório de uma futura e eventual ação penal (instauração de inquérito policial), inexiste o princípio do contraditório, somente indispensável quando já deflagrada a ação penal correspondente.

Ademais, por outro lado, tratando-se de prova indiciária preambular da ação penal, poderá o condutor que se submeteu ao teste do bafômetro, logo depois (isto é, quando estiver em seu estado normal) impugnar ou requerer providências para se aferir da precisão do aparelho ao qual se submeteu. Por outro vértice, negando-se o condutor do veículo fiscalizado, sob suspeita de estar dirigindo alcoolizado, a submeter-se ao teste do bafômetro ordenado pela autoridade de trânsito, estará, iniludivelmente, cometendo outro crime, ou seja, o do art.330, do Código Penal, assim expresso: "Desobedecer a ordem legal de funcionário público: detenção de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa". Esta constatação é até acadêmica e, penso, desnecessária a explicitação de maiores comentários porque,in casu, presentes todos os requisitos do tipo mencionado como a ocorrência da desobediência (ação ou omissão), a ordem legal do funcionário público (no caso, o policial de trânsito), dever jurídico de agir (ou deixar de agir), etc.etc..

No que tange ao entendimento jurisprudencial, já se decidiu que: "Se a norma objetiva determina que a autoridade mande, é porque pessoa intimada tem que atender ao mando. Se não atender, comete delito de desobediência, por Ter sido a ordem legal e amparada em norma vigente. A ampla defesa nada mais faz do que assegurar aos acusados todos os meios legais para a defesa, inclusive, fornecendo defensores aos que não possuam. Ela, entretanto, não concede ao acusado o direito de não atender a determinações legais pois, se assim fosse, estaria em conflito com o disposto no inc.II, do art. 5º, da mesma Carta magna, que reza que todos os cidadãos são obrigados a fazer algo, desde que exista lei determinando, ao afirmar que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". ( TACrim-SP, AC., rel.Almeida Braga. RJD 5/90).

O trânsito, pela insânia de alguns irresponsáveis, ceifou milhares de vidas que, ainda hoje, poderiam estar dando a sua contribuição à sociedade e ao país e que, infelizmente, pereceram nas águas escuras e turbulentas do tráfego irracional. Sob o crepúsculo de uma nova era, que parece estar se desenhando, é admissível pensar - embora se saiba que somente através da educação e da conscientização dos motoristas é que se conseguirá - que agora se possa estar despertando para uma fase de mais civilidade e humanidade no trânsito, com isso se evitando perdas humanas irreparáveis e o aumento da impunidade.

E-Mail: agamenon@ccj.ufsc.br