Evilásio Correia de Araújo Filho - JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CEDRO/SE |
O ADEUS AO AMIGO PROMOTOR DE JUSTIÇA VALDIR DE FREITAS DANTAS Consternado com o seu brutal assassinato, consigo, só agora, escrever algumas palavras sobre o que aconteceu. São muitos os questionamentos que faço acerca dos motivos que ensejaram aquele animalesco gesto que lhe subtraiu a vida. Quanto ousadia dos criminosos que em plena luz do dia e há cerca de 500 metros do fórum da Comarca de Cedro, lhe emboscaram! Naquela fatídica manhã do dia 19 de março de 1998, quando todos os funcionários (especialmente sua secretária Zizi), já não se continham pela sua excessiva demora em regressar das caminhadas matinais (havia saído às 06:00 da manhã, como de costume, e já eram mais ou menos 9:00 horas da manhã), quis o destino que eu fosse um dos primeiros a encontrar o seu corpo jogado ao lado da pista de rolamento que dá acesso a cidade, crivado de balas. Fora golpeado por projéteis de arma de fogo, logo ali, na principal via que dá acesso à Comarca. Ao ver aquela cena macabra e observá-lo vestido, ainda, nos trajes de atleta (que teimava em ser!), de boné, tênis e "walkman", relutava em acreditar no que via. Quem foi o monstro que fizera aquilo? Por que? Não imagino respostas. Só os insanos (sim, os seus algozes!!!) são capazes de responder! Não é demasia afirmar que é necessário encontrar esses criminosos, e submetê-los ao crivo da lei, de forma exemplar, não só para evidenciar que o crime não compensa, mas, também, para evitar que a "moda pegue" e outros profissionais do direito sejam ameaçados e até mortos, simplesmente, porque estão cumprindo o seu dever funcional. O precedente é muito perigoso e toda magistratura e ministério público deve se unir para encontrar esses assassinos. Promotor de Justiça atuante, professor universitário, amava o que fazia. Como ninguém, sabia usar o vernáculo pátrio e embelezava suas peças e arrazoados com vocábulos bem encaixados. Não acreditava possuir inimigos. Tanto que fazia suas caminhadas de forma rotineira, nunca alterou sua forma de viver (embora tenha recebido conselhos para não se expor tanto). Não usava armas e não andava com segurança. Ouvi por várias vezes que seu compromisso era com o direito e todos deviam saber disso. Não tinha problemas pessoais com ninguém. Não havia um júri que marcasse que ele não lembrasse dos seus alunos da cadeira de Direito Penal. Queria que todos fossem assistir. E não era para menos; era uma magistral aula de direito. Sabia como ninguém altercar a técnica da linguagem jurídica com a meramente coloquial, possibilitando o pleno entendimento dos jurados leigos. Infelizmente, amigo Valdir, sua forma atuante, não só no direito, como na sua vida cotidiana (exercia como ninguém a cidadania), incomodou alguém, que não queria saber de direito ou coisas "banais" desse tipo. Alguém muito audacioso, que sabia seus hábitos na Comarca e idealizou e concretizou um gesto tão descomunal. Todos nós que o conhecíamos de perto estamos enlutados, tristes e já com muitas saudades. Não imagino realizar audiências sem a sua confortável presença, seu equilíbrio e sensatez. Não imagino que aquele ritual de abrir a porta do meu gabinete não mais se repetirá. Lembro-me do carinho com que se referia aos seus amigos do ministério público, magistratura, advogados, alunos e serventuários. Não era de guardar elogios sobre o que os outros faziam de bom. Aliás, eu não preciso mencionar isso; todos sabem sobre o seu comportamento. Estou aqui, nesta manhã de Domingo, escrevendo esse texto, alimentado pela forte emoção e num relance, ainda que por uma fração de segundo, quero imaginar que é tudo mentira; foi apenas um pesadelo. Mas a verdade teima em se cristalizar nos jornais, nas rádios e no semblante de todos. Recordo-me da serventuária Nadja, extremamente humilde, mas dotada de muita experiência de vida. Perguntou-me, logo após o crime: "Doutor Evilásio, como foi difícil ver Dr. Valdir jogado naquele acostamento e pensar que levou anos para estudar, ser alguém na vida e justamente ele, estava ali, jogado na beira de estrada feito um cachorro!" É muito difícil responder as perguntas e entender determinadas atitudes humanas... aliás, não são humanas! Deixa esposa e três filhos menores na orfandade (o maior deles com 11 anos e a menor com 5 anos). São crianças que vão crescer mirando-se no exemplo do pai, para ser gente na vida. Mas a lacuna no coração dessas crianças ninguém conseguirá preencher. Não perderam um procriador; perderam um pai, um amigo, um norte. A briosa instituição do Ministério Público de Sergipe perdeu um dos filhos mais ilustres, um dos seus maiores valores. Um homem probo, humilde, trabalhador e amigo. Abre-se uma fenda que não será preenchida, jamais! Toda sociedade sergipana perde com isso. Caro Valdir, onde estiver tenha a certeza do eterno carinho, respeito e que seu exemplo de vida, pautada pela dignidade ao próximo, eu, seus amigos e admiradores, saberemos percorrer. Sua vida não foi em vão. ADEUS, VALDIR! Cedro de São João(SE), 22 de março de 1998 Evilásio Correia de Araújo Filho JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CEDRO/SE |